O Sistema Solar, do Sol a Netuno, tem quatro e meio bilhões de quilômetros. Para se ter uma ideia dessa grandeza, se o Sol tivesse 65 cm de diâmetro (o tamanho de uma bola de Pilates), Netuno (uma bolinha de 2 cm) teria de ser colocado a quase 3 km para representar sua distancia real no espaço.
Isso em termos de distância média, pois os planetas não estão parados, esperando que alguém estique uma fita métrica (suas órbitas não são circulares, de modo que a distância ao Sol varia).
O Sistema Solar real, é claro, vai muito além de Netuno. Ele é bastante grande para os nossos padrões. Contudo, durante muito tempo, achava-se que era menor. Muito menor.
Desde o grego Ptolomeu, no século II, até a Astronomia praticada na Europa do século XVII a ideia geral era de que o Sol, a Lua e os planetas estariam muito mais perto. O Sistema Solar seria milhares de vezes menor do que realmente é.
A situação começou a mudar com um trânsito de Mercúrio, no ano de 1631.
Trânsito?
O trânsito é um fenômeno astronômico que acontece quando um planeta passa à frente do Sol (ou transita, daí o nome). Não é o mesmo que eclipse, porque o planeta é pequeno demais para ocultar o brilho do astro-rei.
Durante um trânsito, o que se vê (geralmente projetando a imagem ampliada do Sol num anteparo) é um pequenino disco escuro desfilando suavemente pelo disco solar no espaço de algumas horas, como mostra a imagem abaixo, de várias fotos obtidas em sequência.
ALVO DIFÍCIL Durante um trânsito, Mercúrio é uma diminuta pérola negra, difícil de ver se a imagem do Sol não for ampliada, como nesta montagem fotográfica da SOHO.
Visto aqui da Terra, somente Mercúrio e Vênus podem realizar trânsitos, uma vez que apenas esses dois planetas têm órbitas internas à terrestre (e, portanto, olhamos na direção do Sol para encontra-los).
Ocorrem treze trânsitos de Mercúrio por século, em média. O trânsito de Vênus é mais raro. Apenas sete deles aconteceram desde a invenção do telescópio. Na tabela a seguir os horários estão no Tempo Universal (UTC) sem horário de verão. Brasília = UTC – 3h. Fonte: Observatório Astronômico Frei Rosário, UFMG.
TRÂNSITOS DE MERCÚRIO | ||||
Data | Início | Meio | Fim | Visibilidade |
09/Maio/2016 | 11:12 | 14:57 | 18:42 | Clique para saber |
11/Nov/2019 | 12:35 | 15:20 | 18:04 | Clique para saber |
13/Nov/2032 | 06:41 | 08:54 | 11:07 | Clique para saber |
07/Nov/2039 | 07:17 | 08:46 | 10:15 | Clique para saber |
07/Maio/2049 | 11:03 | 14:24 | 17:44 | Clique para saber |
Passo a passo
Pierre Gassendi (1592-1655) era um filósofo e astrônomo francês. E foi na Paris de 1631 que ele observou, com o telescópio que usava para ver as manchas solares, o planeta Mercúrio realizando um trânsito solar.
Gassendi projetava a imagem do Sol num anteparo de papel numa sala escura. Ele ajustou a projeção que obtivera a um círculo que dividiu em 60 partes iguais de 30″ (segundos de arco).
Como nunca tinha visto o fenômeno antes, à primeira vista pensou que Mercúrio fosse, na verdade, uma pequena mancha solar. Isso porque ele esperava que o planeta tivesse 1/10 do diâmetro do Sol, mas aquela mancha mal chegava a metade de uma divisão de 30″.
Como a tal mancha se deslocava muito rápido comparada as que Gassendi estava habituado a ver, concluiu que devia ser mesmo Mercúrio. Medindo com mais cuidado calculou que o diâmetro do planeta não excedia 20″ (mas, hoje sabemos, isso ainda é muito grande: geralmente Mercúrio tem uns 12″, ou quase 1/200 do diâmetro do Sol ─ veja foto).
Gassendi publicou seus resultados em 1647, recebendo apoio de Galileu Galilei (1564-1642), que há muito tempo já achava que Mercúrio seria mesmo ser menor do que se pensava.
Para o ilustre astrônomo italiano, o tamanho angular dos planetas deveria ser considerado menor porque, ao telescópio, suas imagens apareciam sem os “raios adventícios” que os faziam parecer maiores. Mesmo assim, ele e outros astrônomos de sua época tiveram grandes dificuldades para medir o tamanho angular dos planetas.
O trânsito também ajudou Johannes Kepler (1571-1630) a aprimorar os parâmetros da estranha órbita de Mercúrio. Mas até então ninguém havia pensado em usá-los para medir a distância da Terra ao Sol (atualmente é comum associar o fenômeno com essa importante medida astronômica).
Foi Edmond Halley (1656-1742), famoso pelo cometa que leva seu nome, quem teve a ideia, embora não tenha conseguido executá-la. No século XVIII, pela primeira vez na história, os trânsitos de Vênus contaram com uma ampla cooperação internacional de cientistas.
Mas o método de Halley só atingiu uma precisão satisfatória no século seguinte. E, mais tarde, com a observação fotográfica e a aplicação de medidas de radar em Vênus, o erro dessa medida foi reduzido para meros 30 metros!
Galgando, passo a passo, outros degraus no conhecimento científico pudemos aplicar métodos semelhantes para determinar a distância de astros mais distantes. E assim o Sistema Solar – e a nossa compreensão do Cosmos, foi ficando maior.
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