Johannes Kepler teve origem humilde. Nasceu na Alemanha em 1571 e ainda muito jovem foi enviado a um seminário protestante cujo objetivo era criar barreiras teológicas contra o avanço da poderosa Igreja Católica Apostólica Romana.
Sua curiosidade, contudo, foi sempre maior que o temor a Deus que se inspira em lugares assim. O Deus de Kepler era o poder criador do Universo. Kepler ajudaria a Europa a livrar-se da reclusão do pensamento medieval. Ele teria um vislumbre da mente de Deus.
Na verdade a perigosa visão de Kepler tornou-se uma obsessão que perdurou por toda sua vida. Estudando a matemática de Euclides, ele imaginou contemplar a perfeição cósmica: “A Geometria existiu antes da Criação… [ela] forneceu a Deus um modelo para a Criação… A Geometria é Deus”.
Kepler foi estudar na universidade de Tübingen em 1589, deixando para trás uma vida de clérigo, mas não as superstições.
Para a maioria das pessoas, ricas ou pobres, impotentes diante das doenças ou da fome, as estrelas pareciam uma verdade eterna. A astrologia prosperaria na Europa ainda por muitos anos – e o próprio Kelper manteria por toda sua vida uma atitude ambígua.
Seguiu para a Áustria, onde foi nomeado professor de matemática em uma escola secundária, compilando tanto almanaques astronômicos quanto horóscopos. Costumava dizer: “Deus provê a cada animal seu meio de sustentação. Para o astrônomo, Ele proveu a astrologia”. Depois de Kepler astronomia e astrologia se separariam definitivamente.
A perfeição da geometria
Naquela época se conheciam apenas seis planetas (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno), e Kepler se indagava qual a razão desse número. Por que não quatro, três ou vinte? Ele então imaginou que eram seis porque suas órbitas em volta do Sol (circulares, como no modelo proposto por Copérnico) estavam circunscritas em esferas que envolviam os 5 sólidos perfeitos de Pitágoras e Platão.
Existem apenas cinco sólidos regulares, figuras tridimensionais cujas faces são polígonos que se encaixam perfeitamente, sem qualquer falha. Para Kepler, a órbita de Saturno, o mais distante dos planetas até então conhecidos, estava inscrita em um cubo.
Neste cubo se inseria outra esfera, contendo a órbita de Júpiter, ao qual se inscreveria um tetraedro, e sobre este uma esfera com a órbita de Marte. O dodecaedro se encaixaria perfeitamente entre Marte e a Terra; um icosaedro entre a Terra e Vênus, e finalmente entre este e Mercúrio um octaedro.
Kepler trabalharia arduamente, com incansáveis refinamentos matemáticos, porém jamais os sólidos e as órbitas planetárias se encaixaram.
Ainda assim concluiu que as suas observações é que não eram precisas o suficiente. Seu talento como matemático rendeu-lhe um convite para trabalhar ao lado de um nobre dinamarquês exilado em Praga, Matemático Imperial na corte de Rudolf II, chamado Tycho Brahe.
De fato, Tycho possuía as observações astronômicas mais precisas do mundo. Resultado de 35 anos devotados à observação do céu antes da invenção do telescópio. Mas era um homem desleixado com sua saúde e suas pesquisas também. Extremamente rico, mas displicente com seus recursos. Acabou se arrependendo em seu leito de morte, quando doou suas observações a Kepler.
Mas nem mesmo assim a suposição de que as órbitas dos planetas estavam circunscritas nos 5 sólidos pitagóricos se manteve (a descoberta posterior dos planetas Urano, Netuno e Plutão também o desaprovaria, pois afinal não havia mais sólidos regulares para eles).
No modelo de Kepler não havia espaço para a lua terrestre, nem para as quatro luas de Júpiter descobertas por Galileu. Mas Kepler não ficou triste. Ao contrário, se perguntou quantas luas teriam cada planeta? Será que havia duas em volta de Marte? Seis em volta de Saturno e talvez uma em Mercúrio ou Vênus?
A dura verdade
Tycho havia feito observações intrigantes do movimento orbital de Marte. No céu, Marte vagarosamente executa um notável vai-e-vem contra o fundo das constelações. Uma órbita circular não se encaixava de jeito nenhum, embora desde o século VI AEC filósofos como Platão e Pitágoras haviam assumido que os planetas, no seu ambiente puro, longe da corrupção terrena, só poderiam se mover seguindo a mais perfeita das formas: o círculo.
Mas se a Terra era um lugar imperfeito, porque não seriam imperfeitos também os outros planetas – juntamente com suas órbitas? Foi pensando dessa forma que Kepler acabou aceitando o inevitável: o círculo se esticará em uma estranha oval. A regularidade e a perfeição de uma órbita circular eram afinal tão raras no Universo quanto a perfeição na índole humana.
As três leis do céu
Quase em desespero, Kepler tentou a elipse, figura explicada pela primeira vez em manuscritos de Apolônio de Perga, na famosa Biblioteca de Alexandria. “Ah, que bobo tenho sido!” Exclamou Kepler em suas anotações.
A elipse, afinal, se ajustou maravilhosamente as observações de Tycho. Kepler descobriu que a órbita de Marte em volta do Sol era uma elipse e não um círculo. Assim como a dos outros planetas – embora a maioria elipses bem menos esticadas, isto é, quase círculos aos olhos de um observador desatento.
Kepler foi mais longe. Percebeu que numa órbita elíptica um planeta aumenta a sua velocidade quando se aproxima do Sol, diminuindo quando se afasta, algo que também está de acordo com as observações práticas e se tornaria a Primeira Lei do Movimento Planetário – ou a Primeira Lei de Kepler: os planetas se movem em torno do Sol em órbitas elípticas, com o Sol num dos focos da elipse.
Se os planetas transitassem em uma trajetória circular e uniforme, um certo arco de seu círculo orbital seria percorrido sempre num mesmo intervalo de tempo. Mas com as órbitas elípticas era diferente. Quando está mais perto do Sol um planeta traça um grande arco em sua órbita num determinado tempo. Quando está mais longe, porém, leva esse mesmo tempo para percorrer um arco muito menor.
Kepler descobriu que para um mesmo intervalo de tempo as áreas desses arcos são idênticas, não importando a excentricidade da órbita. Essa é a Segunda Lei, os planetas percorrem áreas iguais em tempos iguais.
Alguns anos depois Kepler conseguira formular sua Terceira Lei, aquela que relaciona o movimento dos planetas uns com os outros. E a que mais se aproxima de sua intenção original de compreender a “harmonia dos mundos”. Aliás, foi esse o título do livro onde Kepler descreveu suas leis.
Os planetas cujas órbitas estão mais próximas do Sol se movem mais rapidamente do que aquelas cujas órbitas são maiores e mais afastadas. Assim o ano de Mercúrio é mais curto que o ano de Vênus, que é menor que o da Terra, etc.
Esta é a Terceira Lei do Movimento Planetário, que Kepler enunciou mais ou menos dessa forma: o quadrado dos períodos orbitais dos planetas (o tempo que eles levam para completar uma volta em torno do Sol) é proporcional ao cubo de suas distâncias médias até o Sol.
O espírito sonhador de Kepler finalmente havia encontrado um alento. Mas ele não descansou. Kepler também percebeu a incompatibilidade entre um hipotético Universo infinito – repleto de estrelas brilhantes – com a escuridão do céu noturno.
Um paradoxo que só seria resolvido anos mais tarde, por Heinrich Olbers (1758-1840). Kepler também observou a extraordinária explosão de uma supernova, a última ocorrida em nossa galáxia, e ainda escreveu livros de ficção científica.
Johannes Kepler acreditava que um dia “naves celestiais” navegariam adaptadas aos “ventos dos céus” e explorariam corajosamente a vastidão do Universo. Ele acreditava que “em um sonho devemos ter a liberdade de imaginar pelo menos uma vez algo que nunca existiu no mundo da percepção sensitiva”.
Sua família foi perseguida por bruxaria e Kepler faleceu em 1630, durante a Guerra dos Trinta Anos. Sua vida e trabalho assinalam o nascimento da Astronomia moderna.
+ Tycho Brahe
+ Astronomia e astrologia. Qual a diferença?