Viver na selva amazônica é sempre uma luta diária pela sobrevivência. A morte paira sobre tribos e pequenas comunidades, praticamente isoladas do resto do mundo. Tem sido assim há muito tempo, mas um incidente ocorrido em 13 de agosto de 1930 elevou esse risco à altura do terror.
O dia havia começado como de costume. Um pouco antes do nascer do Sol, os seringueiros já haviam se aventurado floresta adentro, os pescadores jogado suas redes e as mulheres começado a lavar roupas nos bancos de areia do rio Coruçá, já quase na fronteira com o Peru.
O RIO CORUÇÁ nem sempre foi tranquilo, como nesta foto do Instituto Peabiru.
Floresta em chamas
Tudo parecia corriqueiro até às oito e pouco da manhã. Foi quando o Sol ficou vermelho e a escuridão se abateu sobre todos. Não era um eclipse. Uma grande nuvem de poeira se espalhou pelo ar e cinzas cobriram a vegetação. Três estrondos se seguiram, cada um mais forte que o outro, como salvas de artilharia.
A essa altura as crianças correram para suas cabanas, em pânico. Somente o homem que estava em sua canoa, bem no meio do rio, pode ver o que estava acontecendo acima das árvores. E era uma visão terrível. Do céu vinham enormes bolas de fogo, que faziam tudo tremer ao bater no chão. A floresta ardeu em chamas.
A chuva de cinzas continuou até o meio-dia e a mais de 200 km dali, em Atalaia do Norte, as explosões ainda podiam ser ouvidas. Os incêndios duraram dias. Mesmo assim, por pouco o resto do mundo não ficou sem saber do ocorrido, não fosse um missionário católico que visitou o lugar pouco tempo depois.
O observador romano
O Padre Fedele d’Alviano era um capuchinho de 45 anos que fazia expedições missionárias regulares às tribos do Coruçá, e ficou surpreso ao encontrar um povo aterrorizado. Assumindo que o fim do mundo havia chegado para eles, o Padre foi provocado a contar o que havia acontecido.
Como era um homem instruído, sabia que os relatos combinavam com a queda de grandes meteoritos, mas essa explicação simplesmente não acalmava a população. Fedele pacientemente ouviu as queixas e narrações da cada habitante, visitando vários lugarejos ao longo do rio.
Ele reportou cuidadosamente sua história ao Vaticano, e os detalhes foram publicados na edição de 1º de março de 1931 do L’Osservatore Romano (O Observador Romano). No entanto, décadas se passaram até a comunidade científica redescobrir o evento, associado aos grandes impactos de meteoritos sofridos pelo planeta.
É verdade que estações sísmicas no Peru registraram três sucessivos tremores na região, mas uma investigação mais detalhada no lugar não aconteceu antes de 1997, financiada por uma rede de televisão do Brasil que, no entanto, não achou evidências conclusivas do impacto.
É que embora tenham encontrado uma depressão em forma de elipse no terreno, parte do perímetro de uma cratera e uma elevação central, não havia vestígios de rochas cristalizadas ou traços de irídio (um material de origem extraterrestre).
Mais de 65 anos tinham se passado e a densa vegetação já havia recoberto tudo, dificultando também o acesso. Hoje, novas pesquisas parecem indicar traços de irídio e também ósmio, elementos que não foram identificados da primeira vez.
Um astrônomo italiano, estudioso do fenômeno, chegou a estimar a massa do meteorito: ele teria entre 1.000 e 25.000 toneladas, e teria se fragmentado a cerca de 8 km de altura, liberando e mesma energia que a explosão de .
Rank | Localização | Data | Energia[1] | Informações |
---|---|---|---|---|
1º | Sibéria, Rússia (60°53′ N 101°53 E) | 30/Jun/1908 | 63.000 | Explosão na atmosfera, 2.000 km² de floresta afetado. Sem vítimas humanas. |
2º | Amazonas, Brasil (5°11′ S 71°38′ W) | 13/Ago/1930 | 21.000 | Possível explosão na atmosfera. Astroblema encontrado, mas inconclusivo. |
3º | Chelyabinsk, Russia (54°30′ N 61°30′ E) | 15/Fev/2013 | 2.100 | Explosão na atmosfera. Centenas de pessoas feridas. Fragmentos recolhidos. |
4º | África do Sul (51° S 24° E) | 3/Ago/1963 | 1.500 | Identificado pelos EUA por rede para detectar explosões atmosféricas. |
5º | Indonésia (4° S 120° E) | 8/Out/2009 | 210 | Superbólido. Nenhum fragmento encontrado. Provável queda no mar. |
1 Energia máxima estimada no impacto em Terajoules; 1TJ = 1012 Joules). Fonte: List of meteor air bursts. Wikipedia.
Risco real
Alguns relatos afirmam que os bólidos vinham da direção norte, o que poderia sugerir uma associação com a chuva de meteoros Perséidas, que são restos do cometa Swift-Tuttle e ocorre todo mês de agosto, com radiante em Perseu, uma constelação do hemisfério celeste Norte. Mas isso é quase impossível de confirmar e a ausência de uma cratera cientificamente reconhecida para o evento tampouco ajuda.
O acontecimento em Coruçá entrou para a história como o “Tunguska brasileiro”, em alusão ao impacto ocorrido na Sibéria em 1908. Embora o de Coruçá tenha sido muito menos violento, nenhum outro pior aconteceu até hoje.
Mas o risco é real. Acredita-se que a chance de outro impacto ainda neste século seja de quase 100%. O problema é saber o tamanho do meteorito – e onde ele vai cair.
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