Segundo round do desafio das mil palavras. Confesso que não sei onde eu estava com a cabeça quando tive essa ideia! Baseado no ditado “uma imagem vale mais do que mil palavras”, me impus a missão de buscar imagens icônicas da Astronomia e escrever um texto sobre elas, usando exatamente mil palavras. (Me atraiu mais ainda o fato de que 1000 é o jeito binário de escrever oito…)
A imagem de hoje tem nome e sobrenome: “Pilares da Criação”. Sem medo de dar spoilers, já adianto: é uma nebulosa…
Nebulosas são extensas nuvens de gás e poeira que habitam o espaço interestelar. Elas são, ao mesmo tempo, berçários e cemitérios. Berçários porque é dentro delas que as estrelas nascem. E cemitérios porque são os depósitos terminais de grande parte do material que resta quando uma estrela morre.
Mas estrelas nascem? Estrelas morrem? Não no sentido estrito dos termos, é claro. Mas podemos descrever a “vida” de uma estrela, seu ciclo de produção de energia. E assim definir o início desse ciclo (o “nascimento”) e o fim (a “morte”).
A vida de uma estrela começa, como a vida de qualquer alguma coisa, antes do nascimento em si. E começa justamente dentro de uma nebulosa. A nebulosa, já disse lá no primeiro parágrafo, é uma nuvem gigantesca de gás e poeira. Normalmente ela é feita quase que só de hidrogênio.
O hidrogênio é o elemento químico mais simples do Universo, seu átomo consistindo de um único próton e um único elétron. De cada 100 átomos no Universo, 93 são de hidrogênio. Ou seja, ele é de longe o elemento químico mais abundante. Então é natural que a maior parte de uma nebulosa seja feita de hidrogênio. (Eu costumo brincar… quando você encontrar algo pela frente que não sabe o que é, na dúvida, chute “hidrogênio”!)
Esta nuvem rica em hidrogênio é irregular. Não tem uma forma simétrica e, também, não tem uma distribuição homogênea. Logo, há partes da nuvem que são mais densas e partes que são menos densas. As partes mais densas, por definição, têm mais matéria concentrada. E, por isso, exercem mais força de gravidade. Essa força de gravidade atrai matéria. Quanto mais matéria é atraída, maior fica a força de gravidade. E quanto maior é a força de gravidade, mais matéria é atraída. Cria-se um círculo virtuoso de concentração de matéria! E assim aquela concentração aleatória de matéria dentro da nebulosa vai crescendo, crescendo, crescendo…
A matéria vai se acumulando e a parte mais interna vai, naturalmente, sendo pressionada. Na medida que a pressão aumenta, aumenta também a temperatura. Chega um ponto que os núcleos de hidrogênio (prótons solitários) começam a se fundir, produzindo núcleos de hélio (dois prótons e dois nêutrons). Este processo (a fusão nuclear do hidrogênio) é exotérmico. Isto quer dizer que ele libera energia. Isso mesmo! A transformação de hidrogênio em hélio produz energia. Quando a fusão do hidrogênio se estabelece no interior dessa massa compacta, a estrela nasce!
O nascimento de uma estrela não é algo calmo ou tranquilo. A fusão do hidrogênio é um processo extremamente violento, que libera muita energia em muito pouco tempo. Assim que ela, a fusão, começa a acontecer, a tendência é que a matéria em volta exploda, e voe para todos os lados. Se isso de fato acontecer, o nascimento da estrela se torna algo catastrófico e temos um astro natimorto.
Mas há um sutil equilíbrio que pode se formar entre as explosões que querem espalhar tudo pelo espaço e a força da gravidade que quer juntar tudo em um centro. É nesse equilíbrio delicado que se sustenta a sobrevivência da estrela.
(E quando esse equilíbrio acaba, a morte da estrela é inevitável. Mas isso é uma conversa para uma outra oportunidade…)
Pois bem: as estrelas nascem a partir de nebulosas ricas em hidrogênio. Uma dessas nebulosas é a Nebulosa da Águia. Localizada na constelação da Serpente, essa nebulosa foi descoberta na primeira metade do século XVIII, pelo astrônomo francês Jean-Philippe de Chéseaux. Na verdade, o que chamou a atenção de Jean-Philippe, e de Charles Messier depois dele, e também de William Herschell e seu filho John, foi o aglomerado de estrelas que ali se encontra.
(Se uma nebulosa é um berçário de estrelas, nada mais natural que dê origem a várias estrelas. Essas estrelas, espacialmente próximas entre si, estão conectadas gravitacionalmente formando o que chamamos de um aglomerado estelar.)
Em tempo: Charles Messier é o lendário autor do catálogo de Messier, e o aglomerado estelar em questão foi classificado como M16 em seu compêndio original. William Herschell dispensa apresentações. Ele foi a primeira pessoa a descobrir um planeta (Urano, em 1781).
Com a resolução dos telescópios da época, o aglomerado de estrelas era, por si só, um objeto nebuloso. Não havia resolução óptica suficiente para se perceber detalhes. Mas a evolução dos instrumentos e o surgimento da fotografia astronômica mudaram isso. No final do século XIX a nebulosa que envolvia as estrelas finalmente foi percebida com certa nitidez, em uma placa fotográfica. À época, alguns astrônomos reconheceram o formato de uma ave na imagem daquela nuvem interestelar. E assim a nebulosa foi batizada: Águia.
A fama só viria mesmo em 1995, por conta de uma fotografia obtida pelo Telescópio Espacial Hubble. O telescópio espacial focalizou a parte interna da nebulosa, mais densa. E, por isso mesmo, mais propensa à formação de estrelas. A foto ficou conhecida como “Pilares da Criação”, por evidenciar o processo de nascimento das estrelas. Vista em detalhes, é possível identificar filamentos de gás, áreas pequenas e mais escuras, que são protoestrelas.
(Não devemos confundir com outra foto, essa bem menos famosa, mas também apelidada de “Pilares da Criação”. Estes “outros pilares” ficam na Nebulosa da Alma, na constelação de Cassiopéia, e foram fotografados dez anos depois, pelo telescópio espacial Spitzer.)
O simples fato de estarmos vendo estrela nascendo já seria impressionante. Mas a beleza da imagem e, talvez, a constatação que ela foi feita por um telescópio espacial, torna-a digna de nossa admiração!
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