Quando em julho de 1969 Neil Armstrong e Edwin Aldrin cumpriam o desígnio do Presidente Kennedy de chegar à Lua antes do final da década, poucos imaginavam o esforço que tinha sido realizado pelo outro lado da Cortina de Ferro neste mesmo sentido. Vítima de uma luta de egos, de uma falta de financiamento crônica e de uma má gestão de recursos, o programa lunar tripulado da União Soviética foi apagado da história.
Técnicos, cientistas, engenheiros e cosmonautas soviéticos foram proibidos de pronunciar uma sílaba sobre a sua existência, e o governo sempre negou que alguma vez tenha existido um programa destinado a enviar os primeiros cosmonautas para a Lua.
Com o fim do país dos sovietes, a verdade via a luz do dia em mais de vinte anos. Os arquivos secretos ficaram disponíveis e o acesso às instalações ultrassecretas revelou o material, a instrumentação e os veículos que estavam destinados a transportar a foice e o martelo nas mãos dos cosmonautas para a Lua.
Mesmo assim não resta um único exemplar do monstro que deveria lançar para a Lua os cosmonautas soviéticos. O lançador pesado da série N, o Nositol-1 (palavra russa para transportador) serviu como exemplo de como o programa lunar foi escondido da opinião pública soviética, que teve de esperar pela perestroika e pela glasnost para conhecer a verdadeira dimensão de todo o programa.
Antecedentes do N1
Antes do desenvolvimento do N1, o principal centro de investigação espacial soviético, Opytno-Konstruktorskoe Biuro (OKB-1) de Sergei Korolev, estudou a hipótese da construção de lançadores e de mísseis balísticos intercontinentais capazes de colocar em órbita terrestre pesadas cargas, utilizando propulsão nuclear.
Os trabalhos no OKB-1 foram iniciados em 30 de junho de 1959, ao mesmo tempo em que outros centros, tais como o OKB-456, de Valentin Glushko, e o OKB-670, de Mikhail M. Bondaryuk (1908-1969), realizavam estudos de dois motores a propulsão nuclear.
Os desenhos utilizavam reatores nucleares colocados em compartimentos cilíndricos e operando a temperaturas de 3.273ºC. O propelente era queimado no reator e expulso através de quatro tubos de escape de expansão.
Esquema do YaKhR-2 do OKB-1. Cedido por Mark Wade.
Os engenheiros do OKB-1 realizaram diversos estudos que resultaram em três projetos. A utilização de hidrogênio líquido como combustível não foi considerada apesar de posteriormente se determinar ser ideal em motores nucleares.
Uma mistura de hidrogênio líquido e metano atingia um melhor desempenho. Os trabalhos neste tipo de propulsão foram concluídos no início de 1960, quando se tornou óbvio que a propulsão química convencional conseguia atingir performances quase equivalentes, com riscos ambientais, de segurança e de desenvolvimento mínimos.
Como é fácil de imaginar, o teste de um veículo deste tipo resultaria em graves danos ambientais, pois o motor nuclear acompanharia a carga de teste até ao local de impacto. E chegou-se a antecipar que os impactos ocorreriam num gigantesco reservatório artificial.
Destino… Marte!
Ainda antes do célebre discurso de Kennedy, Korolev já tinha traçado os seus objetivos para o planeta Marte. Um potente lançador seria capaz de enviar o veículo tripulado TMK para o planeta vermelho.
Um decreto ministerial de 23 de junho de 1960 antevê o desenvolvimento de foguetes com massas no lançamento de 1.000 a 2.000t e capacidade de colocar em órbita entre 60 a 80t.
Um decreto posterior (13 de maio de 1961) especifica o N1 pela primeira vez, indicando 1965 como o ano do seu primeiro lançamento.
Surge o gigante
No dia seguinte ao primeiro aniversário do voo de Gagarin surgiu uma ordem governamental para se iniciar o desenvolvimento do lançador. O N1 teria uma massa de 2.200 t no lançamento, podendo colocar em órbita terrestre uma carga de 75 t.
A construção de motores capazes de desenvolver uma força entre as 600 e 900 t chegou a ser estudada pelos engenheiros, mas estes chegaram a conclusão que esses motores iriam requerer o desenvolvimento de novas tecnologias que não se enquadrava com a meta temporal do projeto em curso.
No seu desenho original, o N1 iria utilizar 24 motores NK-15 no primeiro estágio, 8 motores desse mesmo modelo no segundo estágio e 4 motores NK-19 no seu terceiro estágio.
O gigantesco tamanho do N1 implicava que a sua construção teria de ocorrer no Cosmódromo de Baikonur. Ao contrario dos diferentes estágios do Saturno V americano que eram entregues em Cabo Canaveral por meio de barcaças por mar, os estágios do N1 impossibilitavam o seu transporte pelas áridas estepes do Cazaquistão.
Foram considerados locais alternativos a Baikonur, mas este permaneceu como única possibilidade devido à geografia da União Soviética e a necessidade de zonas de impacto desabitadas onde os estágios descartados poderiam cair.
Os estágios poderiam ser construídos em fábricas situadas perto de Moscou ou Dniepropetrovsk e transportados através do sistema ferroviário soviético até Baikonur. Testes dinâmicos de modelos à escala deveriam provar a confiabilidade da junção de um grande número de estágios.
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