Você já conhece o tipo. Tem épocas que está em plena evidência. Brilha em todos os lugares. Não se fala em outra coisa. Outras vezes praticamente desaparece. Nem parece que existe. Ninguém ouve falar. Não é assim com muitas celebridades?
No resto do Universo não é diferente. Algumas estrelas têm comportamento parecido e brilham para valer somente em algumas ocasiões.
Mas não estamos falando de astros que só são visíveis em certas épocas do ano. É como uma variação de humor mesmo. Uma estrela que muda de “temperamento”.
Variável
Mira, uma estrela da constelação da Baleia, é um caso notável. Seu nome significa maravilhosa em latim, e certamente essa é a impressão que causa devido a grande variação de seu brilho. Mira é uma estrela variável.
Famosa desde o século XVII, seu brilho aumenta e diminui num período de aproximadamente 330 dias – e isso é percebido a olho nu. Mira é provavelmente o exemplo mais extraordinário de estrela variável que se tem notícia, e um dos alvos preferidos do olhar curioso dos astrônomos amadores – essa gente que é fã dos astros e estrelas de verdade.
LOCALIZAÇÃO da estrela Mira na constelação da Baleia. Gravura adaptada de go-astronomy.com.
Segredos da estrela
Mira é mais que uma estrela. São duas! Mira A e Mira B giram em torno de um centro comum de gravidade, embora o segundo astro não seja fácil de perceber nem mesmo com telescópios. Visto da Terra elas parecem uma só, mas na verdade estão afastadas uma da outra por longos 9 bilhões de quilômetros – o mesmo que uma vez e meia a distância do Sol a Plutão.
Mira B é apenas uma minúscula anã branca, um tipo de estrela que tem praticamente o mesmo tamanho que o nosso mundo, é pouco luminosa, porém densa o bastante para que apenas um centímetro cúbico dela pese mais de uma tonelada.
Mira A, ao contrário, é uma gigante. O Sol ao lado dela nem seria notado. Mira A tem um diâmetro da ordem de 556 milhões de quilômetros, enquanto o Sol tem 1,4 milhão. Mas isso não é humilhante para o nosso astro-rei, porque Mira A tem obesidade mórbida.
A estrela atingiu uma fase avançada de seu ciclo de vida e se transformou numa “gigante vermelha”. Seu tamanho aumentou 600 vezes em relação ao do Sol e a estrela está pulsando, como um doente terminal ligado a aparelhos de uma UTI. Aproxima-se o momento em que o combustível nuclear de Mira A vai acabar e ela vai entrar em colapso. Mira está morrendo.
Distúrbios magnéticos intensos podem acontecer em sua superfície, ocasionando explosões de raios X e fortes ventos estelares (emissões de partículas carregadas eletricamente), fazendo a estrela perder material rapidamente.
Isso de fato foi observado pelo observatório Chandra, da NASA, um telescópio espacial que faz qualquer astrônomo se sentir como o super-homem, capaz de enxergar em raios X. Através do Chandra, eles perceberam que Mira B está capturando parte do gás e da poeira que escapa da gigante moribunda.
Companheira ingrata
Incapaz de deter o destino da gigante, a pequena Mira B ainda se aproveita de sua companheira, recolhendo parte do material que ela expele em seus momentos de agonia, onde as colisões entre as partículas que se movem muito rapidamente produzem os raios X observados pelo Chandra.
As duas estrelas estão neste momento ligadas por uma ponte de gás quente. Esse sistema estelar fica a mais de 400 anos-luz do Sol (o ano-luz é uma medida de distância e vale cerca de 9½ trilhões de quilômetros).
Sorte nossa. Se Mira A estivesse no centro do Sistema Solar em vez do Sol, sua borda se estenderia até depois da órbita de Marte, engolfando a Terra.
Cor | Classe espectral | Distância (anos-luz) | Luminosidade (Sol=1) | Massa (Sol=1) | Temperatura superficial (K) | Idade (milhões de anos) |
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Vermelha | M7IIIe | 420 | variável | 1,2 | 2.200 | 1.000 |
Monstros marinhos
Há muitas histórias de monstros marinhos nas culturas do passado, e não é surpresa que algumas das mais importantes constelações do céu se refiram a seres mitológicos, como o Dragão, a Serpente, a Hidra – e a Baleia.
Na Antiguidade, a constelação da Baleia era vista como um grande monstro marinho prestes a devorar a jovem Andrômeda, salva a tempo pelo herói Perseu. Baleia faz parte de uma das mais famosas “famílias celestes”, grupos de constelações ligadas por um mito.
A constelação da Baleia é uma das mais fáceis de reconhecer no céu. Os melhores meses para observá-la são de outubro a dezembro. No Brasil, a Baleia aparece como se estivesse mergulhando, com as estrelas que formam a cabeça na direção do horizonte.
Mas no sistema Mira os papéis se invertem. O “monstro marinho” não é o astro descomunal, mas a “indefesa” estrela anã, que suga da gigante seus últimos suspiros de brilho. E nenhum herói irá salvá-la.
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