Aos poucos vou me acostumando à ideia das mil palavras, me acostumando com o tamanho do texto. Já não tenho mais tanto medo do desafio… No episódio de hoje, vamos visitar a minha foto favorita, conhecida em inglês como Hubble Deep Field, o campo profundo do Hubble.
Hubble, acho que todos aqui sabem, é o telescópio espacial lançado em 1990 e que permanece em operação, apesar de já ter sido ultrapassado tecnologicamente por outros instrumentos (tanto em solo quanto em órbita). Foi batizado em homenagem ao astrônomo Edwin Hubble que, entre outras coisas, mostrou que nosso Universo está em expansão (fez isso em 1929).
Esse telescópio é particularmente famoso por ter sido o primeiro telescópio a ser posto em órbita. Algumas pessoas acreditam que suas imagens são mais bem definidas e precisas por ele estar no espaço, “mais perto das estrelas”. Isso não está certo. Suas imagens são melhores pois ele está fora da atmosfera; a luz que chega em seu espelho não sofre qualquer tipo de interferência atmosférica.
E, claro, é sempre bom lembrar que o Hubble não está tão “mais perto das estrelas” assim… Sua altitude orbital é de cerca de 550km, um pouco mais do que a distância entre Rio e São Paulo! (E por conta dessa baixa altitude, seu período é extremamente curto. O Hubble dá uma volta ao redor da Terra a cada 95 minutos!)
O Hubble é um projeto da agência espacial americana (NASA), com contribuição de sua co-irmã europeia (ESA) e para gerenciá-lo foi criado um órgão independente, o STScI, Space Telescope Science Institute. Cientistas do mundo inteiro podem enviar seus pedidos de tempo para observar com o Hubble. Projetos ligados à NASA e à ESA sempre terão prioridade, é claro, mas a princípio qualquer um pode submeter um pedido ao STScI!
Há ainda um espaço de tempo conhecido como DD, “discricionário do diretor” (no caso, o diretor do STScI). Essa alocação de tempo, que pode chegar a 10% do tempo total de utilização do telescópio, é exatamente isso: uma decisão do diretor do instituto, que não precisa passar pelos canais usuais de tomada de decisão.
Em 1995, Robert Williams, astrônomo americano que era o diretor do STScI na época, decidiu dedicar seu tempo discricionário para o estudo das galáxias distantes. Para fazer isso, teve uma ideia simples: fotografar, com o Hubble, uma parte do céu onde aparentemente não havia nada. Certamente, acreditava ele (e com razão!), muitas galáxias distantes apareceriam na foto.
A área do céu a ser fotografada precisava preencher alguns requisitos. Deveria estar fora do plano da nossa galáxia, é claro. Afinal, a ideia era revelar objetos extragalácticos… Outro critério óbvio é que não poderia haver nenhuma estrela muito brilhante na linha de visão. Mas não só isso. Era preciso evitar qualquer fonte emissora de radiação. Além disso, era preferível que a área a ser observada estivesse em alguma “continuous viewing zone” do Hubble.
As CVZs são áreas celestes sempre acessíveis ao telescópio espacial, que nunca são ocultadas pela Terra ou pela Lua, enquanto o Hubble percorre sua órbita. Além disso, optou-se por uma área no Hemisfério Celeste Norte, para que telescópios terrestres localizados no Havaí pudessem fazer registros de comparação. Esses requisitos restringiram um pouco as possibilidades, mas foram encontradas três áreas consideradas ideais, todas elas dentro da constelação da Ursa Maior.
A decisão final foi tomada por razões dinâmicas, levando em conta qual alvo seria o melhor para manter o acompanhamento do Hubble (o telescópio espacial precisa de algumas “estrelas-guia” para se manter apontado sempre na mesma direção).
Com a região escolhida, as observações foram feitas. Entre os dias 18 e 28 de dezembro de 1995, o Hubble fez 342 registros diferentes da mesma área no céu. Uma área bem pequena, diga-se de passagem, equivalente a menos do que 10% do disco lunar.
Quando todas as imagens foram integradas e devidamente tratadas, o resultado final foi impressionante. Em um único pedacinho do céu, foram capturados cerca de 3.000 objetos. Três mil galáxias distantes, algumas das quais estão entre as mais antigas do Universo!
Se essa não é a imagem mais bonita que você já viu na vida, eu não sei o que é!
Três mil galáxias. Cada uma com centenas de bilhões de estrelas. Por baixo, quando olhamos para essa imagem, estamos vendo quase um trilhão de estrelas. Difícil até escrever esse número! (Não é não… só estou sendo hiperbólico… olha ele aí: 1.000.000.000.000.) E isso tudo em um pedaço ínfimo do céu.
Ínfimo quanto? Visualmente falando, em benefício do leitor: pegue uma moeda de dez centavos e estique seu braço. A área que ela encobre do céu é mais ou menos a área do Campo Profundo do Hubble. Matematicamente falando, é uma parte em 24 milhões!
Isso quer dizer que se dividíssemos o céu todo em 24 milhões de pedaços, essas três mil galáxias, esse quase um trilhão de estrelas, estariam todas concentradas em um pedacinho apenas. Ou seja, uma vez que esse pedacinho não é muito diferente de qualquer outro pedacinho de céu, podemos deduzir que fora da nossa galáxia existam 3.000 vezes 24 milhões de galáxias, ou 72 bilhões. Uns 15 quatrilhões de estrelas. É muita coisa!
E é isso que torna essa imagem tão bela. Ela nos mostra o quanto somos pequenos diante de tudo o que há lá fora. Mas nos mostra também a quantidade absurda de possibilidades que o Universo produziu. Isso inclui a existência de vida.
Depois do ineditismo do Campo Profundo do Hubble, outras duas imagens semelhantes foram produzidas. Entre setembro de 2003 e janeiro de 2004 foi produzido o Campo Ultra Profundo. A ideia é semelhante, o tamanho da área também, mas a direção foi outra (a constelação da Fornalha).
Nessa nova imagem, cerca de 10.000 galáxias foram observadas (ou seja, a nossa estimativa anterior foi bem acanhada!). Os mesmos dados do Campo Ultra Profundo foram retrabalhados em 2012, gerando uma nova imagem conhecida como Campo Extremamente Profundo.
As maravilhas nunca terminam!
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