Algum tempo depois do lançamento bem sucedido do Sputnik, o primeiro satélite artificial, os soviéticos começaram a discutir se pessoas poderiam fazer parte de missões orbitais tripuladas. Seres vivos de diversas espécies, notadamente os cães, já haviam participado dessas arriscadas missões, que nem sempre terminavam bem.
Antecipar as reações ao voo usando animais não era novidade: em 1784 fisiologistas italianos já haviam feito uma ovelha voar num balão, e os americanos levaram vários macacos ao espaço. Eles diziam que nunca haviam enviado um cão porque eles são o melhor amigo do homem. Os russos o fizeram pelo mesmo motivo.
Mas é claro que o objetivo final, para ambos, era conduzir humanos em segurança. Na então União Soviética, profissionais da aviação, marinha, indústria de foguetes e até das corridas de automóveis decidiram a favor dos pilotos militares.
O mesmo acontecera nos Estados Unidos. Seus argumentos citavam o severo treinamento desses homens, que incluía resistência a hipoxia, altas pressões, cargas g e experiência no uso de assentos ejetáveis.
Homens de vanguarda
No início de 1959 soviéticos e americanos já haviam selecionado seus primeiros candidatos. Do lado russo os “seis de vanguarda”, como ficariam conhecidos, deveriam ter entre 25 e 30 anos, de 1,70m a 1,75m de altura e peso máximo de 72 kg – requisitos suficientes para sua acomodação numa apertada cápsula espacial.
Embora fossem pilotos experientes, não assumiriam controle da cápsula na mesma medida que com seus aviões. Como não se sabia ao certo como seria estar no espaço, os engenheiros preferiram automatizar o máximo de funções possíveis, de tal forma que lhes restava pouco mais que ser um passageiro.
O programa de testes com o primeiro veículo espacial tripulado soviético teve início em 1960. A essa altura já haviam lhe atribuído o nome atual, Vostok (Oriente). Parece pouco tempo até o ano seguinte, quando o primeiro ser humano alcançaria o espaço, mas foi uma corrida difícil.
Mais de dez cães (além de ratos, insetos, plantas e fungos) anteciparam o voo de Yuri Alexejevitch Gagarin, que certa vez declarou, em tom bem-humorado, que não sabia se teria sido o “primeiro homem” ou o “último cão” a voar ao espaço. Sua viagem pioneira aconteceria mais cedo, não fossem alguns desastres e atrasos que o programa Vostok enfrentou.
Gagárin fora o escolhido entre os seis homens iniciais tanto pela sua nacionalidade 100% russa e descendência da classe trabalhadora, quanto por suas virtudes pessoais, onde se destacava seu agudo e abrangente senso de atenção, memória, imaginação, habilidade com cálculos e bom humor.
Derrubando mitos
O lançamento do seu histórico voo foi marcado para às 6 horas da manhã (hora local) de 12 de abril de 1961, a partir do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, a primeira e maior base de lançamentos de foguetes do mundo. Gagárin tinha 27 anos.
Um dos mitos mais duradouros fora o de que antes de tomar o elevador até sua cápsula espacial, localizada no topo do foguete Vostok, Gagárin teria feito um emocionado discurso de despedida. Na verdade essa fala fora gravada dias antes, em Moscou, quando teve de dizer uma torrente de banalidades preparadas por escritores anônimos de discursos.
Outro mito ainda maior, e bastante popular entre os brasileiros, é que ao avistar o nosso planeta do espaço Gagárin teria dito: – A Terra é azul! Na realidade, durante toda a missão, Gagárin falou a palavra “Terra” exatas 26 vezes. A única vez onde faz uma descrição parecida, disse:
O Céu é negro, e no bordo da Terra, no bordo do horizonte, existe um lindo halo azul que se torna mais escuro à medida que se afasta da Terra.
Após 108 minutos e uma única volta ao redor da Terra, a cápsula Vostok trouxe Gagárin até uma região próxima do rio Volga, em Saratov. Sozinho e ainda sem contato com o centro de controle da missão, Gagárin preocupou-se em relatar que tinha aterrissado em segurança.
Saiu da cápsula, subiu uma pequena colina e avistou uma mulher, caminhando em sua direção para lhe perguntar onde poderia encontrar um telefone. Foi quando percebeu que a moça estava correndo na direção oposta, assustada!
A missão de Gagárin | |
Lançamento | 12 de abril de 1961 às 06:07 UTC |
Duração total do voo | 108 minutos (pouso às 7:55 UTC) |
Veículo lançador | Foguete Vostok 8K72K |
Peso do lançador com combustível | 4.725 kg |
Órbita | Uma órbita realizada, com apogeu de 315 km e perigeu de 169 km |
Inclinação orbital | Uma órbita realizada, com apogeu de 315 km e perigeu de 169 km |
Trajetória aproximada da órbita de Gagárin. Em 1, Lançamento; 2, entrada na sombra da Terra (noite); 3, saída da sombra da Terra; e 4, pouso. |
Feito histórico
Uma vez conhecidas as boas notícias sobre Gagárin e seu voo histórico, as tensões que haviam permanecido durante toda a missão se dissiparam quase instantaneamente. Esse feito irá permanecer não só como um marco na exploração espacial, mas de toda a história da humanidade. Ter sido executado por um país que havia sido completamente devastado pela guerra apenas 16 anos antes, torna-o ainda mais impressionante.
Comparações entre as duas superpotências da época, principais atores da chamada Corrida Espacial, são, frequentemente, distorcidas pela falta de contexto. Ao contrário dos Estados Unidos, os soviéticos partiram com grande desvantagem. Sua infraestrutura havia sido arruinada, e sua tecnologia, na melhor das hipóteses, estava desatualizada.
Foi uma corrida entre uma sociedade devastada pelo totalitarismo, equipada com máquinas antiquadas, contra um país democrático, física e financeiramente intacto e com tecnologia superior.
Ambos exerciam o imperialismo político de explorar o espaço, mas foi justamente o estado totalitário quem tomou a dianteira na largada.
+ Os pioneiros
+ Doze homens e uma conspiração