No passado era apenas um sonho. A viagem levaria gerações, consumiria muitos recursos e os riscos seriam grandes demais. Era inviável por limitações tecnológicas. Hoje tudo mudou. Como diria um dos sonhadores mais notáveis do distante século 20, Carl Edward Sagan, “vivemos hoje o instante de graça que nossos antepassados apenas imaginaram”.
A QUASE 40 ANOS-LUZ um planeta chamado TRAPPIST-1e oferece uma visão de tirar o folego: objetos brilhantes num céu vermelho, como versões da nossa Lua. Mas não são luas! São outros planetas do tamanho da Terra, em um sistema planetário nunca visto antes. [Baixe o pôster]
Realidade
O anúncio acima, que muitos gostariam que fosse oferecido nas páginas centrais de uma revista do futuro, convida a uma das aventuras mais extraordinárias que um ser humano poderia empreender, uma viagem interestelar de turismo, segura e que não levasse uma eternidade.
Sempre que acontece uma coletiva de imprensa para divulgar descobertas excitantes no espaço profundo, muito além do reino do Sol, alguém pensa nisso. E não está sozinho, como se pode ver pelo pôster acima, do programa de exploração exoplanetária da NASA.
Mas a exploração, hoje, consiste mesmo é na identificação desses exoplanetas. E na esperança de que possamos descobrir mais sobre eles, daqui mesmo, da superfície desse nosso velho e querido mundo azul, num futuro próximo. Bem próximo.
A descoberta
TRAPPIST-1 é o nome de um dos mais promissores sistemas planetários já descobertos em toda história da Astronomia. Foi anunciando numa coletiva organizada pela NASA em 22 de fevereiro (2017), ao mesmo tempo em que um artigo científico era publicado na prestigiosa revista Nature.
Mídias dos mais diversos tipos e de todos os cantos do mundo ecoaram a notícia: em torno de uma pequena estrela vermelha (a TRAPPIST-1) pouco maior que o planeta Júpiter, a 40 anos-luz do Sol na direção da constelação do Aquário, sete planetas rochosos como o nosso foram descobertos. Quase todos numa zona que, em tese, poderia oferecer condições para a existência de água no estado líquido. Três deles com promissoras possibilidades de abrigar oceanos.
Comparando o sistema de TRAPPIST-1 as luas Galileanas de Júpiter e ao Sistema Solar interior. Adaptado do original. Créditos: ESO/O. Furtak.
TRAPPIST, na verdade, é o telescópio no Chile que fez a primeira detecção (o nome vem de TRAnsiting Planets and PlanetsImals Small Telescope). Essas observações foram complementadas pelo VLT (Very Large Telescope) do ESO (European Southern Observatory) e pelo telescópio espacial Spitzer, da NASA.
O crédito da descoberta foi para uma equipe de pesquisadores da Bélgica e o nome TRAPPIST-1 foi como ficou conhecida a estrela anã vermelha, “mãe” dessas sete maravilhas cósmicas.
Características
O mais incrível está na diversidade de sistemas planetários que estamos encontrando. Isso não para de nos surpreender ─ que bom!
Novas “Terras” já haviam sido anunciadas. “Super Terras”, por exemplo, são como chamamos os planetas rochosos parrudos, mais volumosos e pesados que o nosso. “Júpiters quentes” são gigantes gasosos inacreditavelmente próximos de suas estrelas. E descobrimos até mesmo um “super Saturno”, com um sistema de anéis 200 vezes maior que o nosso “modesto” Senhor dos Anéis.
Mas sete mundos rochosos, um pouco menores e pouco maiores que a Terra, juntinhos como as maiores luas de Júpiter, compartilhando uma região do espaço com cerca de ¼ da distância entre Mercúrio e o Sol, e dando voltas ao redor da estrela com um padrão de ressonância que sugere que se formaram mais longe e depois migraram para onde estão agora… Bem, isso já parece ficção científica.
Mas não é. É a velha e boa realidade sendo mais espetacular que as histórias que criamos. Sendo, mais uma vez, inspiradora das próximas histórias que iremos contar.
Em trânsito
O sistema planetário TRAPPIST-1 foi descoberto pelo método do trânsito estelar, quando temos a sorte de ver um planeta passando (transitando) diante de sua estrela, sendo visto como um ponto negro cobrindo uma pequenina porção do astro luminoso. Esse tipo de observação revela o diâmetro relativo do planeta comparado à estrela, bem como seu período orbital em volta dela.
Mas o tamanho compacto do sistema TRAPPIST-1 também permitiu aos astrônomos estimarem a massa de cada um, porque a atração gravitacional entre eles e a estrela provoca pequenas variações na frequência com que cada trânsito acontece. Flutuações que podem ser medidas e que estão na proporção direta de suas próprias massas.
Com o diâmetro, temos o volume. Com a massa e o volume, temos a densidade. E se temos a densidade podemos comparar esse valor com a densidade já conhecida dos planetas do Sistema Solar. Foi assim que se constatou que os sete mundos de TRAPPIST-1 são rochosos como a nosso. Há muito chão para conhecermos por lá!
O SISTEMA TRAPPIST-1 mostrado em contraste com o Sistema Solar interior (de Mercúrio a Marte). Os dois primeiros planetas são muito quentes. O último é demasiado frio. Mas os outros três (e, em especial, TRAPPIST-1e) estão na chamada “zona habitável”, região onde é mais provável encontrar água no estado líquido. Ilustração da NASA.
Futuro
Mas haverá mesmo vida? Por hora, a resposta para essa insistente pergunta é um decepcionante “não podemos afirmar”. Mas o que torna o sistema de TRAPPIST-1 incrível é que em apenas alguns anos podemos, sim, ter uma resposta melhor.
A observação direta das eventuais atmosferas dos sete mundos de TRAPPIST-1 é uma possibilidade para breve. Como não estão muito longe (40 anos-luz é relativamente perto para os padrões astronômicos e, melhor ainda, é perto em termos da tecnologia observacional que temos) a luz da estrela que passa de raspão pela atmosfera durante um trânsito carrega consigo “assinaturas” de elementos químicos e substâncias dessa atmosfera. Vamos poder saber do que ela é feita e se tem as “assinaturas da vida” que a nossa atmosfera sugere.
UM VIAJANTE interestelar se aproxima do sistema TRAPPIST-1. Concepção artística: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (IPAC).
Pode até haver vida extraterrestre que evoluiu sem a presença da água, mas não há como negar que esta é uma das substâncias mais notáveis da natureza – e isso independe do fato dela ser indispensável para nós.
A capacidade calorífica da água faz com que absorva e armazene grandes quantidades de calor. A água dissolve mais substâncias que qualquer outro líquido e, ao contrário do que poderíamos pensar, sua existência no estado líquido é excepcional, já que a maior parte da matéria do Universo está na forma de gases e sólidos.
Mas sejamos contidos em esperar uma civilização planetária em expansão comercial com seus vizinhos. TRAPPIST-1 é uma estrela com apenas 500 milhões de anos de idade. Pouco, quando comparado aos 5 bilhões de nosso pequeno (mas tão quente!) sol amarelo.
A idade mais avançada do Sol deu tempo suficiente para a evolução por seleção natural fazer o seu trabalho. Em TRAPPIST-1 o relógio mal começou a andar e a vida, caso exista como tanto sonhamos, talvez não passe de microrganismos.
Se quiser ser mais pessimista (mas ainda 100% embasado cientificamente) pode imaginar, como pensam alguns astrônomos, que por estarem tão próximos de sua estrela, os mundos de TRAPPIST-1 também são mais susceptíveis aos chiliques explosivos que as estrelas dão periodicamente. Violentas descargas de raios X podem ter inviabilizado o despertar da vida, toda vez que ele tentasse.
A grande descoberta, como sempre foi, veio acompanhada de muitas perguntas – ainda sem respostas. Nossa imaginação continua fervilhando, tentando antecipar o que nos dirá cada um dos mundos da estrela TRAPPIST-1. A realidade, quando a conhecermos, há de nos deixar perplexos novamente.
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