A lavadeira acorda cedo, como faz todos os dias, e sai de casa levando o saco de roupa suja equilibrado na cabeça. Mas sua primeira impressão é ter acordado cedo demais. Está mais escuro do que na mesma hora do dia anterior. Só que desta vez ela não madrugou. Há algo de errado no céu.
Já são cinco e meia da manhã e ali às margens do rio Currais Novos, no sertão do Rio Grande do Norte, a alvorada já devia ser evidente. Desconfiada, ela segue seu caminho, mas ao dirigir o olhar mais uma vez para o nascente é tomada pelo medo.
Em lugar do Sol, há um disco negro cercado por uma indescritível auréola de luz, que desaparece menos de um minuto depois, como uma visão. Não pode ser o Sol, pensa ela, pois as estrelas também estão no céu.
O silêncio é fúnebre, os pássaros não cantam e o fim de madrugada se estende por um minuto que parece interminável. Algo que a lavadeira nunca havia visto ou ouvido falar em toda sua vida.
A SOMBRA DA LUA tocou primeiro o interior do Rio Grande do Norte. Ali o eclipse total foi de no máximo 1min e 53s. Foi na fronteira entre a Líbia e Chade onde aconteceu a maior duração: 4min e 7s. Clique para ampliar o mapa.
Praias tropicais
A 150 quilômetros dali, no litoral, a sensação é outra. Centenas de pessoas espalhadas em pequenos grupos ocupam as praias e as varandas das casas e edifícios. Em Natal o fenômeno é amplamente divulgado e se transforma em espetáculo.
Na cidade e em toda a famosa orla marítima as pessoas também acordam cedo – e algumas vêm de muito longe apenas para ver o mesmo Sol negro que surpreendeu a lavadeira surgindo do mar.
É o primeiro eclipse total do Sol desde antes do descobrimento do Brasil nas famosas praias de Pitangui, Genipabu, Ponta Negra, Pirangi e Pipa (RN).
Mas o entusiasmo dura somente um minuto e meio. Viajando a quase dez quilômetros por segundo, a sombra da Lua rapidamente deixa o Brasil para atravessar o Atlântico sem passar por nenhuma ilha pela próxima ½ hora.
DO NORDESTE PARA O MUNDO O eclipse total do Sol de 29 de março de 2006 foi visível numa estreita faixa que atravessa metade da Terra, começando no Brasil (Rio Grande do Norte e Paraíba), onde Natal foi a única capital brasileira na faixa de totalidade (não houve eclipses totais do Sol em Natal desde sua fundação, em 1599).
África misteriosa
Depois de cruzar a linha do Equador ela passa pelo Golfo da Guiné e chega à África pouco depois da 9 horas da manhã, horário de Gana.
Agora o Sol se ergue a quase 45º acima do horizonte e os 1,7 milhões de habitantes da capital, Accra, assistem seu desaparecimento por quase três minutos. O eclipse está ficando mais interessante. O comprimento da sombra tem 180 quilômetros e sua velocidade começa a diminuir.
Após passar por Togo e Benin, mas sem encobrir totalmente suas capitais, a sombra da Lua percorre a grande porção ocidental da Nigéria e vai se tornando cada vez mais lenta e menos alongada à medida que atravessa alguns dos desertos mais remotos e escaldantes da Terra.
O astro-rei se apaga quase ao meio-dia durante pouco mais de quatro minutos em um local árido e desolado perto da fronteira da Líbia com o Chade. É o auge do eclipse, quando o Sol está mais alto no céu.
Exuberante Turquia
Vinte minutos depois, no extremo Norte do Egito, a sombra toca o Mar Mediterrâneo, passando entre as ilhas de Creta e Chipre.
O lugar está repleto de embarcações de todos os tipos, a maioria iates e navios de cruzeiro que ficam ancorados especialmente perto da costa sul da exuberante Turquia.
Quase às duas da tarde o Sol é engolido pela Lua na cidade de Antalya, fundada no século II.
Esse resort é possivelmente um dos mais confortáveis para se ver a coroa solar, como é chamada uma espécie de atmosfera do Sol, que atinge distancias maiores que o próprio tamanho da estrela e é particularmente visível durante os eclipses totais.
Distante Mongólia
Depois de atravessar a Turquia de costa a costa o eclipse chega ao Mar Negro, apropriadamente encobrindo suas águas com um véu sombreado que a essa altura já se reduziu para 165 quilômetros de comprimento.
Apenas seis minutos mais tarde a umbra encontra a Geórgia, escurecendo parte das montanhas do Cáucaso, a mais alta cordilheira da Europa. E antes de chegar a distante Rússia ela ainda encobre todo o norte do Mar Cáspio e atravessa o Cazaquistão.
Agora falta apenas dezessete minutos para o Sol se pôr. A sombra acelera rapidamente, escorregando pela beira do mundo até a Ásia Central. Por onde passa, a escuridão não dura mais que dois minutos.
Então, numa terra de montanhas que se alternam com desertos gelados, um mongol que recolhe seu rebanho da alta pastagem é surpreendido com um fim de tarde antecipado como nenhum outro. Protegido pela densa neblina que se enrosca nas montanhas, ele quase consegue ver tudo a olho nu.
Sem compreender ao certo o que se passa, ele assiste o Sol rapidamente fingir-se de lua minguante até sumir num disco negro que, subitamente, se vê rodeado pela coroa solar que mergulha no chão. É o fim do dia. Fim do eclipse.
Privilégio terrestre
Num percurso de 14.500 quilômetros, a sombra da Lua percorreu um estreito corredor com não mais de 600 quilômetros de largura durante três horas e doze minutos. Das praias tropicais do Nordeste brasileiro às montanhas da Mongólia, foi como se fizesse um tour por meio mundo a 1.800 quilômetros por hora.
Somos afortunados por uma matemática que relaciona as dimensões da Lua e a distância do Sol. Por causa disso os diâmetros aparentes desses astros praticamente se equivalem no céu e os eclipses solares que acontecem aqui são únicos em todo o Sistema Solar. Nosso mundo é o melhor lugar para vê-los. É o paraíso dos eclipses.
+ Eclipses solares
+ Encontre o seu eclipse