De repente, você encontra com um amigo da vizinhança que lhe conta, entusiasmado: “Eu prendi um dragão na minha garagem!” — Dragão? De que tipo? Você diz curioso. “Um dragão de verdade. Daqueles com asas e que cospem fogo”. — Opa, essa eu quero ver, vamos lá! Você se apressa.
“Calma aí”, pondera o vizinho. “Não vai dar pra ver, porque é um dragão invisível”. Você pensa numa pegadinha, mas até então seu vizinho era uma pessoa séria, e ele não parece estar debochando. Mas que importa? Você pensa. O que pode ser mais fantástico que um dragão que tem a capacidade de ser invisível?
— A gente arranja tinta e joga sobre ele, ou sobre o chão. Você diz. — Assim poderemos identificar o corpo ou as pegadas do dragão sendo impressas pela garagem. “Tinta? Ah, isso não vai funcionar”, lamenta seu vizinho. “Meu dragão é incorpóreo. Como um ectoplasma, sabe?”
DRAGÃO NA GARAGEM Alegações que não podem ser testadas não possuem caráter verídico.
— E o som? Não podemos gravar o seu grunhido? “Não o do meu dragão, ele ruge telepaticamente e só é ouvido por algumas pessoas”. — Mas ele não cospe fogo? Você interrompe. “Sim, fogo invisível”, exclama o vizinho sem hesitação. — Então com um visor de infravermelho conseguiremos perceber o calor. “Ah, mas com o meu dragão isso também não vai funcionar, porque o fogo dele é frio…”
Com paciência, você ainda propõe uma dúzia de experimentos para detectar o animal fantástico, mas seu amigo refuta todas elas, sempre começando assim: “Com meu dragão isso não vai funcionar…”. Logo você se convence que seu vizinho precisa de ajuda – e que não há diferença alguma entre o dragão na garagem e uma criatura imaginária qualquer num livro de contos de fadas.
Parece incrível, mas há outras pessoas no bairro que já se convenceram da existência do dragão preso na garagem. Elas acreditam na intuição do seu amigo, sonharam com o animal ou usaram técnicas orientais milenares capazes de medir a “energia” dos dragões.
O dragão e a Ciência
Uma história muito parecida com essa foi originalmente publicada no excelente O mundo assombrado pelos demônios, de Carl Sagan (1934-1996). Era o início de um capítulo sobre rapto por alienígenas e suas “evidências”, num livro que é uma defesa apaixonante sobre Ciência e racionalidade humana.
Embora não seja fácil definir Ciência, sabemos o que é ser racional – e o quanto isso é determinante em nossas vidas. Vivemos numa sociedade tecnológica que é fruto da pesquisa científica ao longo de toda a história humana.
[A] mágica, devemos lembrar, é uma arte que requer colaboração entre o artista e seu público.
— E. M. Butler, “The mith of magus” (1948).
Valorizamos essas conquistas, e até damos importância a avaliação de um cientista. Sabemos que os químicos estudam a matéria; que os astrônomos procuram compreender os fenômenos celestes; que os biólogos se preocupam com as formas de vida e que os farmacêuticos desenvolvem medicamentos.
Mas ainda acreditamos que Ciência é o ofício de um grupo selecionado pessoas, seres estranhos ou superinteligentes, cujas habilidades podem até não ser úteis no seu cotidiano, mas algumas de suas criações são muito bem-vindas.
Porém, Ciência não é a habilidade de inventar. A palavra vem do latim scientia, e significa conhecimento. Segundo o Professor Pedro Demo, da Universidade de Brasília, “Ciência é a arte de bem argumentar, preferindo sempre a autoridade do argumento ao argumento da autoridade”.
No dicionário, encontramos para ciência “um conjunto de conhecimentos coordenados relativamente a um determinado objeto, um estudo sistematizado”. Não é fácil definir em tão pouco espaço o que pode ser considerado Ciência. Mas podemos falar sobre o método científico.
Modelando a natureza
Cada fenômeno natural que tentamos compreender é como uma “caixa preta” a ser examinada. Quando, curiosos, nossos ancestrais observaram a natureza, criaram histórias para descrevê-la ou explicar a origem das coisas. Mas, naquela época, ainda usávamos apenas nossos próprios sentidos para investigar o mundo.
Com o passar do tempo, desenvolvemos instrumentos e criamos linguagens sofisticadas. No método científico, o pesquisador cria um modelo com o qual tenta fazer previsões que possam ser testadas por experimentos e/ou observações.
Os modelos devem ser descritos numa linguagem compreensível e universal, como a matemática. A partir de um modelo o cientista cria uma hipótese, uma suposição aceitável que pode levar à formulação de uma teoria.
A teoria científica é um grupo organizado de ideias e conceitos que explicam um fenômeno e que pode ser testado por meio de “experiências reprodutíveis”, isto é, cujo resultado não seja diferente ou imprevisível a cada vez que é realizada.
Se uma hipótese se tornou uma teoria, é porque passou pelo crivo científico, ou seja, ela explica muito bem um fenômeno e não foi possível refutá-la. Por isso, uma teoria não precisa de provas, precisa explicar os fatos.
FAZER CIÊNCIA é elaborar modelos para inferir sobre o conteúdo da “caixa preta da natureza”.
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